terça-feira, 26 de julho de 2011

"Você sabe com quem está falando?"

Última parte da série de 3 textos que compõem uma análise crítica do livro Carnavais, malandros e heróis, de Roberto DaMatta. Abordamos aqui a o uso do famoso bordão "você sabe com quem está falando?" e o ato da "carteirada", a necessidade de se rebaixar o outro para representar uma ilusória superioridade.



Vários problemas sociais brasileiros têm sua origem no fato do brasileiro não se enxergar como indivíduo, trazendo o comportamento da casa para a rua. Assim, quando alguém diz “Você sabe com quem está falando?”, não só está se colocando como pessoa, única, especial, mas reduzindo o interlocutor a um indivíduo, alguém menos importante, apenas mais um na multidão.

Quem nunca presenciou um ato explícito de deseducação e autoritarismo? Quantas vezes, por exemplo, os freqüentadores de bares e restaurantes humilham garçons e atendentes como se eles fossem trabalhadores marginais e a ralé da sociedade? A prepotência não encontra limites. Repetidas vezes os arrogantes protagonizam situações absurdas nas quais escancaram fraquezas, para a indignação ou mesmo divertimento de quem as presencia.

Como também exemplo do uso dessa expressão: Não é difícil nos deparamos com operações realizadas pelos guardas municipais, as famosas “blitz de trânsito”, com o objetivo de fiscalizar os documentos dos veículos que estão circulando e a habilitação de seus motoristas, com o intuito de se fazer cumprir as leis de trânsito. Previsivelmente e infelizmente, acontece o famoso, inaceitável e covarde “você sabe com quem está falando?”, mais conhecido como “carteirada”.

Esta forma de comportamento é o que melhor comprova nossa estrutura social hierarquizada, onde alguns que possuem “carteira” de delegado, procurador, juiz, desembargador, deputado, prefeito, vereador, médico, advogado, dentista, diretor de universidade, simples elitistas que pertencem a famílias tradicionais e muitos outros, impõem sua surreal “supremacia” sobre os cidadãos normais, os únicos em que a igualdade formal, prevista na Constituição, é realmente aplicada.

É de se destacar o trabalho de servidores como os muitos guardas municipais de trânsito e policiais que vencem muitos obstáculos para exercer suas funções, devendo receber a admiração da sociedade, mas acima de tudo, nosso respeito. Respeito este que não encontramos, por exemplo, no comportamento de muitos jovens (a “carteirada” não vem só das autoridades) que encaram as autoridades responsáveis pela segurança de nossas cidades como inimigo ou até mesmo como subalternos. Não é raro nos depararmos com jovens, principalmente de classe média e alta, passando por cima das leis e das autoridades que por elas zelam.

Já está mais do que na hora de dar um basta a tanta hipocrisia, não cabe, por exemplo, a uma autoridade do alto escalão se sobrepor à lei, cabe sim respeitá-la e servir de modelo para que o país passe da ilegalidade para a normalidade constitucional. Além de crescimento econômico e social, devemos saber que tudo passa por uma mudança interna, pessoal e consciente, pequenas atitudes podem trazer grandes mudanças. Devemos fazer um pacto pela legalidade, onde saibamos contrabalançar nossos deveres com os nossos direitos.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A imagem do herói

Parte 2 da série de 3 textos que compõem uma análise crítica do livro Carnavais, malandros e heróis, de Roberto DaMatta. Abordamos aqui a temática do herói, a necessidade de se criar e cultuar uma imagem como essa.


A imagem de uma pessoa com ideais humanitários aliados a princípios nobres, como a coragem e a solidariedade, transmitida por um herói desperta a esperança da mudança da realidade. Há quem viva na espera daqueles poderosos que irão lutar pelo bem comum, propiciando a ela condições de vida mais dignas, como um sistema de saúde público de qualidade e oportunidade de estudo e de crescimento profissional, frutos de políticas sociais eficientes comandadas por autoridades honestas e empenhadas.

A violência, fruto principal das divergências sociais, atinge ricos e pobres. Milhões de inocentes não seriam vítimas de balas perdidas, seqüestros relâmpagos, exploração infantil, guerras do tráfico e outras barbaridades se existissem aqueles que zelassem por sua segurança, por combaterem fortemente a injustiça e a impunidade, inclusive a dos políticos.

Diante do contexto atual brasileiro, a idealização de heróis é essencial para acreditar-se em mudanças efetivas. Mas deve-se acautelar para não confundi-los com pseudo-heróis, que por detrás da mascara de defensores da nação, só enxergam seus próprios interesses. Às crianças, que constroem suas personalidades espelhando-se em adultos, o princípio de solidariedade deve ser ensinado, porque são elas os possíveis heróis do futuro. Um Super-Herói é um mais que um entretenimento para uma criança, ele é um exemplo. Se ela entende o valor do ato heróico e do "bem", ela estará se posicionando no mundo como alguém que não fechará os olhos às coisas erradas. Ela crescerá com os olhos mais 'justos' e a seu modo fará a diferença.

... no próximo (e último) texto baseado nesta obra de Da Matta, falaremos do famoso bordão "você sabe com quem está falando?"